quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

CULTURAS DISTINTAS

                                                                                                                               Benilson Toniolo

Caiu-me recentemente nas mãos um texto que gostaria de compartilhar neste espaço. Trata-se de trechos da carta-resposta de um cacique indígena à sugestão, feita pelo Governo do Estado da Virginia (EUA), de que uma tribo de índios enviasse alguns jovens para estudar nas escolas dos brancos:

“(...) Nós estamos convencidos, portanto, de que os senhores desejam o nosso bem e agradecemos de todo o coração. Mas aqueles que são sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos ao saber que a vossa idéia de educação não é a mesma que a nossa. (...) Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando eles voltaram para nós, eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes de suportar o frio e a fome. Não sabiam caçar, matar o inimigo ou construir uma cabana e falavam nossa língua muito mal. Eles eram, portanto, inúteis. (...) Ficamos extremamente agradecidos pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a nossa gratidão, concordamos que os nobres senhores de Virgínia nos enviem alguns de seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que sabemos e faremos deles verdadeiros homens.”

Deixemos de lado o caráter puritano e estereotipado do texto. Afinal de contas, jamais uma cultura vai se sobrepôr à outra, uma vez que todas, ao final, desfragmentam-se e  se fundem em uma única forma de Cultura como característica exclusiva da raça humana. Em outras palavras, cara-pálida: de nada adianta toda a teoria acumulada se, na hora de ver quem corre mais, é o bicho o primeiro a chegar na frente. Da mesma forma, só o conhecimento proporcionado pela convivência acadêmica possibilita uma melhor compreensão do mundo, e ainda é o único caminho para se resolver questões e apontar saídas.
A transmissão do conhecimento, então, deve ser feita considerando-se o respeito pelo outro, pelo que o outro traz de história de vida, de valores que ele cultiva e respeita e das expectativas que ele gera mediante a possibilidade de aprender algo novo, e que passará a fazer parte de sua vida a partir dali.
Para isto, é fundamental que o docente desenvolva a capacidade de exercer sua alteridade, de colocar-se no lugar do aluno, de conhecer sua historia e suas origens, de compartilhar com ele cada etapa do processo evolutivo, de considerar as mesmas dúvidas e questionamentos como possibilidades reais que dêem margem a novas etapas do processo de aprendizado, de insistir sempre, e de vibrar diante da vitória do intelecto humano sobre a treva da ignorância.
Aprendemos com nossos avós que “onde se abre uma escola, se fecha uma cadeia”. Para que esta máxima continue vigorando em nossa sociedade, é imprescindível que as diferenças de cultura e origem sejam respeitadas por quem tem pela frente o desafio de trazer às pessoas a luz do conhecimento.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

NO TEMPO EM QUE TODOS FALÁVAMOS PORTUGUÊS

Benilson Toniolo

Virou lugar-comum falar mal da educação no Brasil. Como se fosse fácil a tarefa de ensinar em uma sociedade que parece nem saber direito para que lado deve andar. De repente, todos nos convertemos em clones de Paulo Freire, Rubem Alves e Anísio Teixeira, entre outros, com uma diferença: dificilmente alguém propõe algo que melhore o ensino. Em geral, quando se trata de Educação, as pessoas, sabe-se lá por quê, limitam-se a apontar com ferocidade os problemas. Mas e as soluções?
Da minha parte, procuro tomar cuidado com o que digo sobre o tema. Não posso –e nem devo- duvidar da capacidade técnica dos professores, nem da vontade dos alunos em aprender (deve estar lá, em algum lugar), nem tampouco da eficácia dos projetos e programas pedagógicos propostos.
Mas existe algo que me intriga: por que hoje em dia se fala e se escreve tão mal a língua portuguesa? Que somos um país de analfabetos funcionais, é fato, dado que muitos de nós não consegue interpretar um texto primário nem realizar cálculos básicos com as quatro operações. É comum encontrar pessoas que não consegue compreender o que acabou de ler uma, duas, duzentas vezes. Mas o que explica o baixíssimo nível de conhecimento com que estudantes de todos os graus lidam com a língua, ao escrever a falar?
Dizem-me alguns que este é um fenômeno mundial, provocado talvez pela globalização, ou pelo neoliberalismo, ou pelo advento do “internetês”, pelo Google, pelo raio que os parta. A mim, pouco importa: bastam-me as aberrações que ouço e leio diariamente pelas esquinas da cidade. Não preciso saber se as atrocidades lingüísticas são um fenômeno municipal ou universal. Basta-me saber que elas existem, e proliferam aqui, bem debaixo do meu nariz.
Prefiro pensar em algo mais simples: é que a escola, que tão mal ensina a escrever, não mais ensina a falar. Logo, o desenvolvimento da linguagem está entregue à família e ao meio em que a criança vai crescer, ambientes onde dificilmente haverá correções e ajustes enquanto o processo está em pleno curso. Não que isto represente, de todo, um problema, posto que é nestes ambientes que se dá grande parte do aprendizado do indivíduo, inclusive no aspecto cultural –como, aliás, sempre se passou na história da humanidade.
Mas a escola, ao não intervir no processo de edificação da fala e da escrita, contribui para que esta situação se acentue e se agrave, além de abster-se de uma responsabilidade que claramente lhe compete.
O que deveria ser um compromisso básico de qualquer educador, parece ter virado papel exclusivo do professor de Língua Portuguesa, aplicável somente em sala de aula. Se o aluno escreve e fala errado durante as tarefas de Ciências, de História, de Geografia, ou em simples conversas com o professor mesmo fora da sala de aula, não é corrigido, o que significa que vai continuar falando e escrevendo errado.
Conheço muitos líderes de grandes empresas que cometem diariamente verdadeiros assassinatos da língua, e não são corrigidos, porque parece haver um acordo entre nós de que “isto é normal”.
É fácil perceber que a escola não só perdeu a capacidade de ensinar a falar da melhor maneira possível nossa língua, como fala mal ela própria.