domingo, 8 de janeiro de 2012

O INSTITUTO DONA ESCHOLASTICA ROSA

                                                                                                                                    Benilson Toniolo

Permitam-me fazer uso deste espaço para contar uma história. Verídica, ué –senão não seria história.
Em 1984 –o ano, e não o bestseller de George Orwell- eu saía do Ginásio e me preparava para  aquilo que nós, os ancestrais, chamávamos de “Colegial”. Algo muito parecido com o que hoje em dia se convencionou chamar de Ensino Médio.
Pois bem. Mas então eu dizia que me preparava para enfrentar o primeiro grande desafio em minha vida de estudante: prestar o Vestibulinho do Instituto Dona Escholastica Rosa, uma das melhores escolas de Santos, cidade onde nasci. Vinha de uma escola estadual de periferia –o inesquecível  “Coleginho” Santa Rosa, depois EEPG Prof. Emídio José Pinheiro, no Guarujá, onde era querido e conhecido não por todos, mas por uma boa parte dos colegas, para tentar uma vaga numa das únicas escolas técnicas da Baixada, para a qual competiam estudantes vindos de diversas cidades do Litoral. Sem dúvidas, era um desafio e tanto.
A fama do Escholastica era de ser uma escola exigente, difícil, disciplinadora, arraigada às suas tradições, que obrigava muitos estudantes a desistir no meio do caminho, por não suportarem o peso das exigências. Muitos estudos, muitas tarefas, professores preparadíssimos –diversos vinham de longe (como o Prof. José Carlos Mendes Brandão, de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, que vinha de Bauru, hoje um dos maiores poetas brasileiros contemporâneos), para lecionar naquela Escola, que era sinônimo de qualidade na Educação santista. E a procura por aquela Escola era tão grande que, como eu disse, os pretendentes deveriam prestar uma prova, que denominava-se “ Vestibulinho” para serem matriculados. Era disso que eu estava falando.
Eu estava bem preparado, dentro de minhas possibilidades, e acabei por conquistar um honroso quinto lugar na concorrida prova.
Quando a  notícia se espalhou, no meu pobre bairro, foi um alvoroço. Os colegas vinham à casa para os cumprimentos, as vizinhas parabenizavam minha mãe, na rua, e comecei a me preparar para poder ter o privilégio de freqüentar a respeitada Escola, e ainda mais no período da manhã, onde as aulas eram ainda mais “ puxadas”.
Mas, como diria o famoso Joseph Climber, a vida é uma caixinha de surpresas. Uma doença terrível se abateu sobre meu pai, e tive que arranjar um emprego. Aos quatorze anos, fui trabalhar como office-boy em um escritório de advocacia, no Centro de Santos. Então, como se diz por aí, o caldo entornou: estudava das 07h às 12:35h. Às 13h, tinha que estar no serviço. “Almoçava” um misto frio, geralmente, andando no meio das ruas apinhadas, ou em pé, no ponto de ônibus, e andava o resto do dia, até 19h, quando voltava para casa. Mais de uma hora, para chegar em casa. Até tentei me transferir para o período noturno, mas não teve jeito. Só seria possível no ano seguinte.
Resultado: com uma anemia e com muitos quilos a menos, cheguei ao final do ano com duas matérias em Recuperação: Química e Física. E uma terceira, Matemática, para Conselho de Classe. Precisava de apenas um ponto, nesta disciplina, para poder fazer a Recuperação. Para os mais novos que, na falta do que melhor fazer, me lêem, um esclarecimento: naqueles anos, o aluno só poderia “ficar” em duas matérias. Se ficasse em mais de duas, era reprovado. Ou seja, eu precisava de um mísero ponto, a ser dado pelos meus professores, para ter o direito de ir para a Recuperação e tentar passar de ano.
No dia do Conselho, não deu outra: negaram-me o ponto. Fui reprovado. Repeti.  “Bombei”, como se dizia naquela época.
Ao contrário do que se faz hoje em dia, não fiz nada para extravasar meu ódio –mesmo porque, ódio não havia. Não fui tomar satisfação com ninguém. Não proferi impropérios contra a Direção, não xinguei a mãe de ninguém, não botei o dedo na cara da Secretária, nem mandei que meus pais fossem à escola ameaçar a Diretora com um processo. Ninguém, que eu me lembre, ventilou a possibilidade de me mandar para um psicólogo. Respeitei a decisão do Conselho e me convenci que, no fim das contas, eu não era realmente merecedor de ser aprovado. Minha aprovação seria até um desrespeito aos meus colegas, que se saírem muito melhores do que eu. A decisão da Escola, naquela época, era incontestável. Ponto.
No dia em que soube que tinha sido reprovado, minha maior preocupação era de que forma eu encararia meus pais. Não foi preciso. Assim que abri a porta da casa, desabei num choro doído, soluçado, sofrido, e ambos, pai e mãe, me acolheram num abraço cujo cheiro trago até hoje nas narinas.
No ano seguinte, vida nova: troquei de emprego (o que voltaria a fazer inúmeras outras vezes pela vida), fui estudar à noite e, claro, voltei a ser bom aluno. Formei-me três anos depois em Técnico em Informática (linguagens Basic e Cobol, lembram-se?). Meu pai recuperou-se e viveu ainda por muitos anos, até nos deixar em 2002, quando eu já estava casado, com filhos e morando  nesta Montanha Magnífica, como diz Pedro Paulo Filho, um dos maiores patrimônios intelectuais e históricos que temos neste lugar.
Hoje, ao tomar conhecimento de como andam as coisas nos “Ensinos Médios” por aí, me entristeço. Não por mim, mas por estes moços e moças que jamais saberão o que é lutar pelo direito de estar em uma boa escola. Me entristeço pelos moços e moças que se acham no direito de contestar um Professor, um Diretor, um Conselho de Classe, como contestam seus pais. E que, provavelmente, jamais saberão o que é receber o abraço reconfortante de quem lhe reconhece como você  verdadeiramente é.
Isto, meus amigos, é melhor do que ganhar notas e pontos positivos de presente, ou à força, em disciplinas em que o aluno não move sequer um músculo para aprender, somente para cumprir a obrigação de, simplesmente, passar de ano.

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